Olhar global, que permite cruzar diferentes saberes, depende de uma nova postura da escola e dos professores
A interdisciplinaridade — a articulação de conteúdos de diferentes disciplinas para a compreensão de um determinado assunto — é um conceito recente, que surge na educação apenas no século XX. De certa forma, ela é uma resposta à especialização. Com o avanço dos estudos, os cientistas e pesquisadores começaram a perceber que, se por um lado, o conhecimento foi se aperfeiçoando e ficando cada vez mais específico, por outro, esse afunilamento também levou à perda da visão do todo.
“Nesse contexto surgiu a ideia da interdisciplinaridade, que requer o entendimento do todo e a contribuição de cada disciplina para um determinado saber. A maior riqueza disso é ter acesso aos diferentes olhares, o que vai oferecer uma visão mais ampla”, diz Mariângela Petrosino, assessora pedagógica do Sistema Anglo.
Segundo ela, a abordagem interdisciplinar, até por ser algo relativamente novo, representa um grande desafio para as escolas e exige dos professores uma outra postura. “O professor precisa entender onde uma disciplina casa com outra. Isso pode significar ter que sair daquela função meio automática de apenas passar o conteúdo ou mostrar no material onde ele está e cobrar isso do aluno na prova. Envolve uma mudança de paradigma”.
A professora usa a metáfora de uma cômoda, em que as coisas são guardadas de modo compartimentado, e para abrir uma gaveta é necessário antes fechar a outra, para se referir ao modo de atuar dos professores, muitas vezes fragmentado e fechado. “É preciso que o professor substitua a cômoda por um closet que, ao olhar para ele, você tem uma visão de tudo o que precisa — bolsas, sapatos, bijuterias — e pode escolher o que juntar para trabalhar de forma harmônica”, compara.
Além de um professor diferente, a prática interdisciplinar também requer a formação de um aluno menos passivo e mais participativo, capaz de fazer o link daquilo que está aprendendo não só com outras disciplinas, mas também com o mundo real. “O estudante precisa ser indagado e incomodado, no sentido de desenvolver seu senso crítico e capacidade de argumentação. Ele tem que ter condições de tomar para si as rédeas do seu aprendizado para propor soluções para problemas e poder transformar a sociedade”, diz.
A interdisciplinaridade pode ser favorecida, segundo Mariângela, quando a escola trabalha com projetos. E para que ela de fato ocorra é necessário envolver os alunos, ser uma ação conjunta com a coordenação e ter objetivos claros. “É preciso redigir uma proposta que mostre com clareza a meta pedagógica de cada disciplina e as estratégias que serão desenvolvidas para isso. Caso contrário, corre-se o risco de cada professor fazer do seu jeito e não se chegar a nada”.
Mariângela chama a atenção, ainda, para iniciativas que parecem ser interdisciplinares, como os chamados “aulões”, que juntam vários professores em uma mesma aula, mas que, na verdade, nem sempre o são. Segundo ela, não adianta chamar diferentes professores para um mesmo espaço físico. A intenção pode até ser boa, mas não funciona se não relacionar conteúdos e não houver interação entre eles.
Por fim, ela explica como seria um projeto interdisciplinar sobre, por exemplo, a temática do lixo. “Em ciências, poderiam ser abordadas questões relativas aos tipos de lixo e descarte. Em geografia, a ocupação humana e a poluição de rios e mares. Em língua portuguesa, os alunos escreveriam um texto sobre o assunto. Em língua inglesa, artigos em inglês ou espanhol mostrariam como a questão é tratada nesses países. Matemática participaria com a produção de gráficos e estatísticas sobre o tema. Sociologia abordaria a produção de lixo por classe social“, exemplifica a assessora.