Depois de um primeiro contato mais emotivo com a obra, que permite mergulho no universo dos personagens, é preciso pré contextualizá-la e identificar os elementos da narrativa
Ler e apreciar um livro de poemas, um romance ou livro de contos exige uma postura de leitor que difere daquela que se tem frente a um texto informativo. “Você não lê do mesmo jeito um editorial de jornal ou Quincas Borba. Estamos falando de uma obra de arte e, neste caso, é preciso entender que esse conteúdo nos chega por outros meios que transcendem o intelecto — por exemplo, pela via sensorial”, afirma Maurício Soares da Silva Filho, autor de literatura do Sistema Anglo
Ele explica que os autores de literatura utilizam recursos expressivos, e a percepção desses elementos é fundamental para a compreensão da obra. Por isso, é importante identificar, por exemplo, quem é o narrador, que tipo de linguagem ele utiliza, se ele está angustiado ou esfuziante de alegria, se usa diminutivos ou reticências com frequência, se faz perguntas ou deixa fluir o seu fluxo de consciência. “Mas, muitas vezes, a leitura é tratada com um olhar um tanto tecnicista, em que o aluno precisa saber detalhes que nem sempre são relevantes na história.”
Para aproveitar a leitura de um texto literário, a primeira dica que ele dá é se abrir para essa obra. “Tenho a impressão que a leitura só vale pelo momento em que você está lendo, disposto a parar e deixar sua vida de lado. É difícil abandonarmos nossas preocupações e questões para entrarmos no universo do personagem. Mergulhar na vida do Miguilim, do Rubião, e deixá-los nos levar.”
Maurício recomenda relaxar, respirar, procurar um lugar confortável e tentar estabelecer uma rotina que seja realizável — por exemplo, dedicar-se meia hora por dia à leitura. “Para isso é preciso se programar. Você vai acordar mais cedo? Ler antes de dormir? Adquirir o hábito de ter contato com aquele livro todos os dias ajuda muito. É como uma novela da TV ou série da Netflix, em que aqueles personagens passam a fazer parte da sua vida.”
No caso dos livros de poemas, a orientação é ler aos poucos. “Eles precisam entrar na sua vida devagarinho. Por exemplo, ler um poema por semana e depois relê-lo várias vezes, sem tentar identificar recursos ou elementos do texto o tempo inteiro, mas deixando aquilo fluir”.
Em um segundo momento, depois desse contato mais emotivo com a obra, é importante fazer a contextualização — identificar elementos básicos a respeito do autor, a época em que a obra foi escrita e a realidade que está sendo discutida. “Aí o leitor começa a fazer conexões entre essas informações e as sensações que o livro proporciona”, diz Maurício.
Já em uma terceira etapa, no caso das narrativas, seria o momento de pensar nos elementos que a compõem — quem é o narrador, quem são as personagens, quais as linhas principais do enredo, como é a sequência temporal e em que espaço ela acontece.
Capacidade de ler o mundo
Para o autor, faz parte do papel da escola e dos vestibulares preparar a formação do leitor também por meio do prazer e dessas sensações. “A lista de livros pedida pela Fuvest e pela Unicamp são um convite para que o aluno mergulhe em diferentes gêneros literários, de diferentes épocas, autores e realidades, para que isso contribua para o desenvolvimento da sua leitura do mundo”, ressalta.
“Eu não concordo com discursos prontos do tipo ‘você tem que ler para saber mais’ ou ‘ler é permitir que você viaje para outros lugares’. A gente lê para se desenvolver emocionalmente, entrar em contato com paixões humanas e mergulhar em sensações e experiências que talvez a gente não tenha na vida. É preciso predisposição nesse sentido e compreensão do porquê você está fazendo isso. O vestibular é uma consequência”, finaliza.